terça-feira, 5 de maio de 2020

PANDEMIA E INADIMPLÊNCIA! A PANDEMIA PODE SERVIR DE TÁBUA DE SALVAÇÃO AO LOJISTA INADIMPLENTE?



Como é de conhecimento de todos, os Estados e Municípios brasileiros determinaram recentemente, com o intuito de deterem a transmissão acelerada do coronavírus, o distanciamento social, por meio do fechamento no país de todos os Shoppings Centers e Comércios em Geral, salvo dos negócios que desenvolvem atividades essenciais, ou têm condições adequadas para adotarem as vendas online (delivery) e/ou via drive thru.

Tal medida governamental deixou a maioria dos lojistas, principalmente os micros e pequenos empresários, sem a possibilidade de auferir qualquer receita e poder honrar com as despesas necessárias para a manutenção dos negócios. 

Diante disso, iniciou-se para esses empreendedores uma difícil corrida contra o tempo, para tentarem barrar a incidência da totalidade, ou ao menos de parte, das despesas correntes vincendas junto aos locadores, franqueadoras, fornecedores etc.

Alguns lojistas obtiveram bons resultados com base apenas na renegociação extrajudicial de contratos, ao passo que outros tiveram de se valer de medidas judiciais com pedidos liminares para conseguirem, enquanto durar o distanciamento social (quarentena) ou outro período, obter a redução de valores, ou no mínimo a suspensão total ou parcial dos pagamentos, dessas despesas correntes, como por exemplo alugueres, outros encargos locatícios, royalties e taxas mensais de fundo de propaganda para aqueles que também são franqueados etc.


Mas, ao contrário do que muitos imaginam, a revisão dos contratos, quer extrajudicial, quer judicial, ainda que de forma meramente temporária, não tem como se fundamentar apenas na ocorrência da FORÇA MAIOR oriunda da pandemia, tampouco na aplicação da TEORIA DA IMPREVISÃO.


É que, embora se possa dizer que o fenômeno da força maior se fundamenta no recente evento extraordinário e imprevisível, a saber, a pandemia de covid-19, mesmo assim ainda é preciso muito mais do que isso para que realmente se caracterize a excludente, ou relativização, da responsabilidade do devedor por descumprimento contratual.


Em outras palavras, apenas alegar que o fato superveniente, que atingiu em cheio os contratos, é extraordinário e imprevisível não se mostra suficiente para livrar os contratantes que se tornaram inadimplentes da responsabilidade pelo descumprimento de obrigações contratuais, mesmo que temporariamente.


Igualmente, a aplicação da teoria da imprevisão também não consegue resolver totalmente o problema, na medida em que, para legalmente excluir ou relativizar a responsabilidade por descumprimento contratual, o fato superveniente deve ainda tornar impossível o cumprimento do contrato, não bastando somente haver onerosidade, ou desvantagem, excessiva para uma das partes contratantes que dificulte o adimplemento.


Isso porque, além de extraordinário e imprevisível, o fato superveniente deve também ter consequências invencíveis ou inevitáveis, que impossibilitem qualquer reação eficaz das partes contratantes.


É exatamente isso o que determina o Código Civil, por meio do parágrafo único do artigo 393, que:
  • "Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir".
Como se vê, se de um lado, é preciso que o fato superveniente configure efetivo obstáculo ao cumprimento do contrato, de outro, deve ainda existir uma ligação direta e necessária de causa e efeito entre esse mesmo fato e a ofensa contratual.

Por exemplo, se o lojista antes da pandemia já se encontrava em mora, ou seja, já era devedor ou estava irregular, haverá bastante dificuldade para ele conseguir provar que a impossibilidade de cumprir o contrato de locação, ou franquia, ou fornecimento, resultou diretamente da pandemia e da paralisação pelo governo das atividades do negócio.

Ora, a impossibilidade de cumprimento de um contrato pode muito bem decorrer para esse tipo de lojista da inadimplência anterior à pandemia, isto é, de um fato que na verdade não é superveniente e, portanto, não serve de excludente de responsabilidade por descumprimento contratual, tendo o devedor na hipótese de arcar com todas as consequências jurídicas de sua mora. 

Mais do que isso, mesmo que se tratasse de um fato superveniente, como é o caso da pandemia, ainda assim as suas consequências deveriam ser inevitáveis, ou seja, não poderiam permitir que fossem de alguma forma contornadas, servindo de exemplo um lojista que hipoteticamente teria falido ou fechado de vez o negócio não por conta apenas da covid-19, mas também em razão de outros fatores posteriores do mesmo modo determinantes, como o término do prazo do contrato de locação e/ou de franquia, as falhas porventura ocorridas no sistema de vendas online (delivery) ou drive thru etc.

Com efeito, o sistema normativo brasileiro exige para o afastamento total ou parcial da responsabilidade contratual não só que o fato superveniente seja extraordinário e imprevisível, como também que os seus efeitos sejam inevitáveis e insuperáveis.


Nesse sentido, vem se posicionando já há algum tempo o Judiciário, o qual tem aplicado o referido artigo 393 do Código Civil de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, verificando se o fato superveniente que crie obstáculo ao cumprimento do contrato é insuperável ou não, e se existe ou não nexo de causalidade entre esse mesmo fato e a impossibilidade de cumprimento da obrigação.



É o que se verifica em várias decisões proferidas, a título de exemplo, por Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entenderam que, de acordo com o referido artigo, o caso fortuito ou de força maior tem como requisito a necessariedade, devendo o fato ocorrido impossibilitar o cumprimento da obrigação, e a inevitabilidade, não podendo existir meios para impedir as consequências desse evento (ex: Agravo em Recurso Especial nº 166741/ES, Ministro Relator Raul Araújo, 4ª Turma STJ, publicado em 14/04/2020; Recurso Especial nº 1843781/MA, Ministro Relator Marcos Buzzi, 4ª Turma STJ, publicado em 05/11/2019; Recurso Especial nº 156705/PE, Ministro Relator Ricardo Villas Boas Cueva, 3 Turma STJ, publicado em 05/09/2016 etc.).

Portanto, quando o fato superveniente for inevitável e houver nexo de causalidade entre ele e a impossibilidade de cumprimento da obrigação, o Judiciário considerará presente a excludente de responsabilidade do devedor pelo descumprimento contratual.


Caso contrário, o Judiciário se direcionará para a caracterização da efetiva inadimplência, respondendo o devedor pela mora, tendo em vista que nesse tipo de hipótese haveria como ele adimplir a obrigação por outro(s) meio(s).


Diante disso, conclui-se que a atual pandemia por si só não serve de tábua de salvação ao lojista, principalmente se este já se encontrava inadimplente, ou irregular, quer perante o locador, quer perante o franqueador, quer perante algum fornecedor etc.


Por força desses aspectos e do risco de o Judiciário poder proferir decepcionantes decisões, recomenda-se aos próprios lojistas, que são na verdade os que mais conhecem de perto as particularidades de seus negócios, tentarem de forma amigável e rápida renegociarem, previamente e diretamente, os contratos em que estejam envolvidos, em conformidade com a realidade que se apresentar, valendo-se, preferencialmente, de assessoria jurídica, a fim de que consigam especificar com maior precisão e segurança jurídica todos os detalhes relevantes aos acordos negociais que vierem a ser celebrados, acordos esses que poderão ser revistos, já que a pandemia e seus efeitos são temporários.



DANIEL DEZONTINI, advogado e sócio fundador do escritório DEZONTINI SOCIEDADE DE ADVOGADOS, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising, locações e direito contratual como um todo. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br; Site: www.dezontiniadvogados.com.br. Blog: http://advogadoespecialistalojistapandemia.blogspot.com.br.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

COMO OS NEGÓCIOS CÍVEIS TEM SIDO ATINGIDOS PELA PANDEMIA E O QUE É RECOMENDÁVEL AOS EMPRESÁRIOS FAZEREM AGORA?




Com o intuito de deter a gigantesca transmissão do coronavírus (COVID-19), os Estados e Municípios brasileiros determinaram recentemente, como uma das medidas visando o imediato distanciamento social, o fechamento no país de todos os Shoppings Centers e Comércios em Geral, salvo dos negócios que desenvolvem atividades essenciais, ou têm condições e estrutura adequadas para adotar o sistema de delivery.

Diante disso, há uma sensação de completa escuridão quanto ao andamento dos contratos cíveis vigentes, especialmente para aqueles empreendedores que não puderam manter abertos seus negócios, seja porque não exercem atividades essenciais, seja porque não possuem estrutura e mão-de-obra necessárias para desde já adotar o sistema de delivery.

É que o sistema de delivery, diferentemente do que muitos pensam, pode gerar um custo inicial e mensal para ser implantado e mantido que muitas vezes não é baixo, bem como exigir um alto volume de vendas para ser financeiramente viável. Além disso, para que ele funcione com eficiência é fundamental a presença física de ao menos alguns funcionários.

Ocorre que boa parte dos funcionários, antes ainda da medida de distanciamento social, já estava se recusando a comparecer ao trabalho por medo de pegar a doença, quer nos trajetos de ida e volta via transporte público, quer no próprio ambiente de trabalho, sendo que atualmente vários Sindicatos já têm aconselhado o cumprimento à risca das orientações da OMS e das autoridades científicas e técnicas competentes, bem como das regras governamentais, para que todos que puderem fiquem em suas casas, o que também dificulta a efetivação na prática do sistema de delivery.

E tal situação se agrava bastante para o micro e pequeno empresário que, além de ter de ficar em casa, ainda não possa, por conta do setor em que atue, fazer a opção de trabalho, via home office ou teletrabalho, o qual até esse momento se encontra na realidade à margem do governo, ou seja, invisível e sem conseguir auferir qualquer receita.

De fato, ainda não é possível calcular o impacto que a pandemia provocará na economia, muitos menos quais os segmentos que mais serão atingidos. No entanto, as relações contratuais já estão sendo bastante afetadas e a maioria dos contratantes se encontra perdida, até porque a pandemia decorre de um evento excepcional e extraordinário que configura força maior e alcança ao mesmo tempo, ressalte-se, ambos os lados dos contratos, sendo grande a probabilidade de haver futuramente a divisão, ou compartilhamento, de prejuízos entre as partes, ainda que proporcional à realidade e posição de cada uma nestas avenças.

O atual sistema jurídico brasileiro dá uma boa direção, mas pode não conseguir solucionar satisfatoriamente todos os conflitos advindos da pandemia, pois os aspectos a serem encarados são tantos que não é possível criar uma fórmula jurídica única para resolvê-los em uma só “tacada”, razão pela qual se mostra necessário especificá-los ao máximo, conforme a essência, natureza e peculiaridades de cada um, visando alcançar a solução mais equilibrada e justa possível que atenda aos dois lados dos contratos.

De qualquer modo, é certo que os contratos cíveis podem ser desde já encerrados, ou revisados, por meio, neste último caso, da flexibilização das obrigações estabelecidas, com o objetivo de preservá-los equilibradamente.

Por outro lado, igualmente é certo que muitos destes negócios não aguentarão aguardar qualquer sentença judicial de mérito irrecorrível, até porque mesmo neste início de distanciamento social já existem empresas fechando definitivamente e outras que estão prestes a se evaporar. E neste tipo de cenário, a revisão dos contratos não mais vingará, ou se tornará impossível, restando somente o caminho da dissolução contratual, quando então se passará a discutir sobre à incidência ou não de multas rescisórias, ou indenizações.

Diante disso, pergunta-se: O que fazer para encerrar ou ajustar os contratos cíveis já consolidados, antes da atual crise, e atingir o equilíbrio contratual, atendendo às necessidades dos dois lados?

Recomenda-se ter como ponto de partida na área contratual cível a TEORIA DA IMPREVISÃO que relativiza, ou seja, suaviza, o princípio do pacta sunt servanda, que por sua vez dita a regra de que o “contrato faz lei entre as partes”, bem como embasa juridicamente o encerramento ou descumprimento de uma avença, ou de uma obrigação, em virtude da ocorrência de um evento extraordinário e imprevisível, como é o caso desta pandemia.

Tal teoria decorre da chamada cláusula rebus sic stantibus (que em português significa "estando assim as coisas") que especifica que as partes de um contrato, tratado internacional ou, de forma mais geral, acordo, estabelecem disposições levando em conta a situação de fato existente no momento de sua celebração, podendo assim utilizá-la como forma de rompimento ou revisão, caso ocorram mudanças substanciais em virtude de um evento extraordinário e imprevisível que cause desvantagem a uma das partes.

A aplicação desta teoria como forma de encerrar ou revisar os contratos cíveis terá de ser moldada para cada caso, uma vez que alguns setores de mercado certamente serão mais atingidos do que outros, sendo que mesmo para alguns negócios que façam parte de “semelhante” ramo de atuação ainda assim poderá haver particularidades a serem consideradas, motivo pelo qual para cada negócio sugere-se tomar uma medida específica, adequada e justa, enquanto a pandemia não cessar ou no mínimo perder sua força, sob pena de não se conseguir atingir o equilíbrio contratual.

No Código Civil já há fundamento para a aplicação da teoria da imprevisão, conforme dispõem os seus artigos 317, 393, 421-A, 478 a 480, que determinam o encerramento, ou a revisão, dos contratos somente de maneira excepcional e limitada, a saber: 

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:  I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. (Destacou-se).
Nesse mesmo sentido, há também legislação especial que pode servir de embasamento para tal teoria, como é o caso da Lei de Locações (Lei 8.245/91) que em seu artigo 18 diz:
Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.
Igualmente, e com ainda mais força, é possível para fundamentar essa mesma teoria se valer da própria Constituição Federal, a Lei Maior do país, de onde todas as outras leis, normas e até mesmo contratos retiram seu fundamento de validade, de acordo, dentre outros, com os seguintes artigos escritos: 
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...). III - a dignidade da pessoa humanaIV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...).
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...).

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...). VII - redução das desigualdades regionais e sociais; (...).
Ainda que não se encontre na recentíssima Lei 13.966/2019 (Nova Lei de Franquia) absolutamente nada para sustentar a teoria da imprevisão, salvo a simples citação, no inciso II, parágrafo único do art. 3º, das expressões “excessiva onerosidade” e “equilíbrio econômico-financeiro”, no tocante à sublocação de ponto comercial do franqueador ao franqueado, mesmo assim toda a fundamentação jurídica ora exposta aplica-se às relações contratuais de franquia.

Isso porque, o empresário, quer seja franqueador, quer seja franqueado, pode muito bem pegar emprestado os mesmos artigos especialmente das leis gerais já reproduzidas para fundamentar tal teoria e a partir disto encerrar ou revisar o contrato de franquia, na medida em que, quando a lei especial é omissa sobre qualquer tema, o ordenamento jurídico nacional, por meio do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 140 do Código de Processo Civil, permite a aplicação por analogia da lei geral, qual seja, o Código Civil que por sua vez tira o seu fundamento de validade da Constituição Federal.

Mesmo com tudo isso, não pense que bastará ao Judiciário se pautar nesse tipo de embasamento jurídico e em situações ocorridas no passado, quer no Brasil ou Exterior, em que também foi aplicada a teoria da imprevisão, para encontrar a melhor solução jurídica, posto que a pandemia de coronavírus gerou algo totalmente novo no planeta, ao afetar ao mesmo tempo, saliente-se, os dois lados dos contratos, tornando ainda mais difícil a tarefa judicial de interpretar o sistema jurídico disponível, ajustá-lo a cada caso concreto e proferir a decisão mais equilibrada e justa.

Logo, não é muito inteligente neste momento transferir desde já, ou somente, ao Judiciário tal trabalho, o qual, além de ter de enfrentar essa nova situação que vem atingindo a todos, deparar-se-á com uma nova realidade estrutural devido a uma enxurrada de ações judiciais que está por vir, lembrando que muito antes da COVID-19 tal sistema já era muito burocrático, lento e atolado de processos.

Assim, por conta destes aspectos e do risco de o Judiciário poder ao final proferir decepcionantes sentenças definitivas de mérito, recomenda-se, ainda mais do que em outros tempos, aos próprios contratantes, que são na verdade os que mais conhecem de perto as particularidades de seus negócios, buscarem de forma amigável e rápida ajustar ou encerrar, previamente e diretamente, os contratos, em conformidade com a realidade que se apresentar para cada caso e quantas vezes for necessário, já que o fenômeno ora tratado também é, para piorar, mutável.

Para tanto, também se sugere às partes contratantes valerem-se, preferencialmente, de assessoria jurídica especializada, ou no mínimo de auxílio do advogado de confiança, a fim de sempre que for preciso conseguirem especificar com maior precisão e segurança jurídica todos os detalhes negociais relevantes, bem como obter o maior equilíbrio contratual possível.

Em outras palavras, ganhará muita força daqui para frente a arte de saber renegociar amigavelmente, com competência, rapidez e quantas vezes for necessário, as condições contratuais vigentes, sendo este o caminho jurídico que nesse momento se apresenta mais promissor, até porque a cada dia que se passa da atual crise há um novo aprendizado ou fator a ser assimilado por todos, tanto é que aquilo que se mostra certo e satisfatório para hoje poderá se mostrar errado e insuficiente para amanhã.

A pandemia apareceu como um imenso asteroide que colidiu fortemente com a terra e colocou repentinamente as partes contratantes, cara a cara, em uma espécie de labirinto jurídico, econômico e social, do qual somente será possível sair mais rapidamente, por meio de ajuda mútua que resulte em acordos contratuais diretos e equilibrados que por sua vez possibilitem o encerramento ou a conservação não litigiosa dos negócios, acordos estes que sempre que for preciso poderão ser revistos.

Portanto, convém às partes contratantes assumirem desde já esse protagonismo na solução das questões jurídicas decorrentes do coronavírus, sem deixar de lado a avaliação dos custos e consequências jurídicas advindas da tomada de qualquer decisão.


Daniel Dezontini, advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising, locações e direito contratual. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br; Site: www.dezontiniadvogados.com.br; Blog:
http://www.advogadoespecialistalojistapandemia.blogspot.com.br.



terça-feira, 23 de janeiro de 2018

FRANQUIA: VOCÊ SABIA QUE A CLÁUSULA QUE PREVÊ A SOLUÇÃO DE CONFLITOS VIA "ARBITRAGEM" EXISTENTE NO SEU CONTRATO PODE NÃO SER VÁLIDA?


Atualmente, observa-se cada vez mais a existência no contrato de franquia de uma cláusula prevendo que a solução de futuros conflitos se dará por meio de "Arbitragem", em vez do "Judiciário". Trata-se da chamada cláusula compromissória, ou arbitral.

A cláusula compromissória é aquela em que as partes contratantes formalizam a vontade de submeterem à Arbitragem divergências ou litígios que eventualmente ocorram ao longo do desenvolvimento de uma relação de franquia.

Então, efetuado esse tipo de ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis (ou seja, patrimoniais, como é o caso da relação de franquia), ficam os contratantes, desde que capazes, vinculados à solução de conflitos extrajudicialmente, isto é, via Arbitragem, renunciando, dessa forma, ao direito de se valerem inicialmente do Judiciário.

É isso mesmo! Ao constar do contrato a Arbitragem, os contratantes inicialmente estão abrindo mão, desde que obviamente a mencionada cláusula seja válida, de debaterem qualquer conflito atinente à relação de franquia no Judiciário.

Isto posto, faz-se a seguinte indagação: Toda e qualquer cláusula compromissória existente no contrato de franquia, prevendo a Arbitragem como a única via de solução de futuros conflitos, é válida?

A resposta é não, uma vez que, para ser considerada válida, a cláusula compromissória estabelecida em um contrato de franquia deverá respeitar todos os requisitos legais que a cercam.


Mas, afinal, quais são os requisitos legais que a referida cláusula tem de seguir?


Para responder a essa segunda indagação, antes exige-se necessariamente identificar se o contrato de franquia é de adesão ou paritário.

Os contratos de adesão são aqueles onde não há a liberdade de convenção, ou seja, são aqueles apresentados prontos para aceite e as pessoas que os aceitam aderem às suas condições tal qual foram inseridas, não havendo a possibilidade de discutirem ou modificarem o conteúdo das cláusulas previamente redigidas e impressas.

Por sua vez, os contratos paritários são aqueles em que as partes se encontram em igualdade para discutirem livremente os termos do ato negocial e fixarem as cláusulas e condições contratuais.

Dito isto, resta evidente que o contrato de franquia é de adesão, em que pese o posicionamento contrário de renomados juristas e estudiosos de direito.

Com todo respeito a esta posição contrária, e sem a pretensão registre-se de esgotar o tema especificamente neste artigo jurídico, a própria Lei de Franquia (lei 8.955/94) e a natureza desse tipo de negócio revelam que a avença de franquia é sim celebrada por adesão.

Ora, o franqueador é obrigado por lei a dizer previamente as obrigações que serão suportadas de parte a parte ao longo da relação contratual, entre muitos outros elementos e informações que precisam constar da Circular de Oferta de Franquia (vide art. 3º da citada lei).

Ainda que tais informações devam ser enviadas ao futuro franqueado com antecedência mínima de 10 (dez) dias da celebração do contrato de franquia (vide art. 4º da citada lei), isso não significa que ele tenha liberdade para discutir ou modificar as cláusulas.

É certo que o franqueador já estabelece desde o início, sem qualquer participação desse futuro franqueado, todas as cláusulas padronizadas do contrato quando da entrega da COF, conforme determina o inciso XV do referido do art. 3º da lei e a própria essência desse tipo de relação negocial.

Assim sendo, o interessado a se tornar futuro franqueado apenas terá total liberdade para decidir, dentro desses 10 (dez) dias de antecedência, se fará ou não parte do negócio, assinando um contrato de franquia padronizado e imposto pelo franqueador.

Ora, defender o contrário disso é com a devida vênia desconhecer a realidade deste segmento de negócio em que o futuro franqueado não detém, salvo raríssimas exceções em que o franqueador permite, nenhuma liberdade para discutir ou modificar as cláusulas contratuais.

Pois bem. Identificado que o contrato de franquia é de adesão, conclui-se que, se existir uma cláusula compromissória (ou arbitral), esta disposição deverá respeitar os requisitos fixados pelo art. 4º, parágrafo 2º, da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), que diz:

Art. 4  (...).
§ 1º (...).
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Como se vê, a cláusula compromissória somente será válida se: a) o aderente, no caso o franqueado, tomar a iniciativa de inseri-la no contrato, o que, diga-se de passagem, não se observa na prática; ou b) estiver inserida no "corpo" da avença com o devido destaque, em negrito e com assinatura ou visto especialmente para essa cláusula; ou ainda c) vir prevista em um documento anexo (termo), contando com uma assinatura ou visto específico para essa cláusula.

        É exatamente o que recentemente decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial/SP nº 1602076 (2016/0134010-1), conforme julgado, publicado no DJe no dia 30 de setembro de 2016, que teve como relatora a brilhante Ministra Desembargadora Nancy Andrighi, e cuja ementa segue logo abaixo transcrita:


RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FRANQUIA. CONTRATO DE ADESÃO. ARBITRAGEM. REQUISITO DE VALIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. DESCUMPRIMENTO. RECONHECIMENTO PRIMA FACIE DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA "PATOLÓGICA". ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO.
1. Recurso especial interposto em 07/04/2015 e redistribuído a este gabinete em 25/08/2016.
2. O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomento econômico.
3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96.
4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral "patológico", i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral.
5. Recurso especial conhecido e provido. (Sublinhou-se).

Portanto, a cláusula compromissória inserida em um contrato de franquia que desrespeitar as regras legais determinadas pelo art. 4º, parágrafo 2º, da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem) estará eivada de nulidade e poderá ser suprimida pelo Poder Judiciário.



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Daniel Dezontini, advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising, locações e direito contratual. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br; Site: www.dezontiniadvogados.com.br; Blog: http://www.advogadoespecialistaemfranquias.blogspot.com.br

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

FRANCHISING - PRINCIPAIS DOCUMENTOS JURÍDICOS PARA A SUA BOA ESTRUTURAÇÃO


O sistema de franchising exige alguns documentos jurídicos para bem formatá-lo e inseri-lo adequadamente no mundo do direito. É o que se passa a expor.



O art. 2º da Lei nº. 8.955/94 que regula esse setor econômico o define como sendo aquele “pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.

Os arts. 3º e 4º do mesmo diploma legal estipulam, por outro lado, que tal relação de franquia deve ser precedida de um documento jurídico denominado “Circular de Oferta de Franquia” (COF), escrito em linguagem clara, acessível e transparente, o qual deve conter uma série de informações para esse tipo de negócio ser considerado válido e ainda ser entregue “ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este”, sob pena de esse franqueado poder futuramente “arguir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver paga ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos”.

Além disso, consoante o art. 6ª desta mesma legislação, “o contrato de franquia a ser celebrado entre o franqueador e franqueado deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas, possuindo plena validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público”.

E não é só, o referido contrato de franquia também deve ser amplo, escrito em linguagem simples e clara, e ainda guardar estrita homogeneidade com a COF, desta última não destoando.

Por fim, embora não obrigatório, o franqueador pode se servir de outro documento jurídico não menos importante, o qual sucede a COF e precede o contrato de franquia, possibilitando melhor controle quanto à localização do ponto comercial, à abertura das unidades franqueadas, ao treinamento inicial dos franqueados e seus funcionários, entre outras coisas.

Trata-se do "pré-contrato de franquia", o qual costuma ser de curta duração, por prever um prazo determinado de vigência que varia de 1 (um) a 3 (três) meses, e regula todos os direitos e obrigações das partes no período pré-inaugural do negócio franqueado.

Assim, com base na mencionada documentação jurídica é possível deduzir as seguintes características gerais do sistema de franchising, a saber:


(i) A COF constitui poderosa salvaguarda de interesses, tanto do franqueador, que futuramente poderá se abster de eventuais acusações de ter ocultado informações vitais ao franqueado, como para este último que poderá invocar, caso não seja bem-sucedido na operação, omissão de informações importantes, por parte do franqueador, se for o caso;

(ii) O contrato de franchising deve ser firmado, por escrito, entre o proprietário (ou detentor dos direitos) da marca e do Know-how do negócio (franqueador) e o empresário (franqueado) disposto a investir capital para operar uma unidade, dentro dos estritos padrões estabelecidos pelo primeiro;

(iii) O franqueado e o franqueador não são sócios e têm entre si uma relação jurídica “horizontal”, isto é, de cooperação, não existindo vínculo empregatício entre eles e tampouco entre o franqueador e os empregados do franqueado;

(iv) O contrato de franchising é oneroso e bilateral: o franqueador tem a obrigação de ceder a marca e treinar o franqueado na operação, devendo colocar à disposição deste toda a documentação técnico-operacional necessária; o franqueado, por sua vez, deve pagar uma taxa de adesão (“taxa de franquia”) para entrar no sistema, royalties (porcentagem sobre o faturamento ou valor fixo mensal) e taxa para o fundo de publicidade (também calculado como percentagem sobre o faturamento ou valor fixo mensal);

(v) Entre os franqueados não existe, em princípio, nenhuma relação jurídica em virtude do contrato de franchising, os quais podem organizar-se em associações de uma mesma bandeira, tanto para facilitar os entendimentos da rede como o franqueador como para desenvolver atividades conjuntas, como compras de insumos e ações de marketing da rede; e

(vi) O pré-contrato de franquia, apesar de não ser obrigatório, é um instrumento jurídico importante e que pode ser usado antes ainda do contrato definitivo de franquia, pois quando assinado pela partes permite um maior controle do negócio franqueado por parte do franqueador antes ainda de sua inauguração.


É exatamente em razão destas peculiaridades que se afirma hoje em dia que o sistema de franchising vem apresentando magnífico desempenho em escala global, embora também seja comum tanto o fechamento de unidades franqueadas quanto a saída de redes franqueadoras do mercado.

Registre-se que boa parte das dificuldades deste segmento empresarial advém, dentre outros fatores, do fato de o franqueador não conhecer tão bem o mercado quanto imagina, e/ou de o franqueado não se dedicar suficientemente ao negócio, e/ou de a concorrência ser hoje em dia muito acirrada levando a uma busca incessante de novas ferramentas de gestão, de criação de estratégias de marketing cada vez mais eficazes, de redução de custos e de aumento de eficiência em todas as etapas da cadeia produtiva.

Logo, todas as pessoas atuantes no setor de franchising devem dar importância não só a documentação jurídica necessária para a sua boa formatação como também a esses entraves mercadológicos.


Daniel Dezontini (daniel@dezontiniadvogados.com.br), advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados (www.dezontiniadvogados.com.br), com ampla experiência na área de franchising e demais segmentos de varejo, locações, direito contratual em geral e processo civil.

Site: www.dezontiniadvogados.com.br;

Blog: https://advogadoespecialistaemfranquias.blogspot.com.br/

terça-feira, 18 de abril de 2017

FRANQUIA: O QUE PODE OCORRER SE EXISTIR NO CONTRATO A PREVISÃO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS VIA "ARBITRAGEM" E MESMO ASSIM VOCÊ OPTAR PELO "JUDICIÁRIO"?



Hoje em dia, tem sido cada vez mais comum existir no contrato de franquia uma cláusula prevendo que a solução de futuros conflitos se dará por meio de "Arbitragem", em vez do "Judiciário". Trata-se da chamada cláusula compromissória, ou arbitral.

A partir disto, indaga-se: Você sabe o que isso significa e repercute na prática, caso surja futuramente algum conflito entre o franqueador e o franqueado que esteja relacionado ao contrato?

Tal cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam sua vontade de submeter à Arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo do desenvolvimento da avença de franquia.

Então, efetuado esse tipo de ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis (ou seja, patrimoniais, como é o caso da relação de franquia), ficam os contratantes, desde que capazes, vinculados à solução de conflitos extrajudicialmente, isto é, via Arbitragem, renunciando, dessa forma, ao direito de se valerem inicialmente do Judiciário.

É isso mesmo! Ao optarem pela Arbitragem na avença, os contratantes inicialmente abrem mão, desde que obviamente a mencionada cláusula seja válida, de debater qualquer conflito atinente à relação de franquia no Judiciário.

Pode parecer estranho, mas é este o efeito principal da citada cláusula, já há muito tempo reconhecido pelos Tribunais do país e pela legislação nacional.

Inclusive, o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor 18 de março de 2016, fez questão de considerar a Arbitragem como uma jurisdição no Direito Brasileiro, de acordo com o que prevê o seu parágrafo primeiro do artigo 3º.

E não se pode esquecer que a Arbitragem já vinha sendo antes regulada por legislação própria, qual seja, a Lei nº 9.307/96, com as atualizações feitas pela Lei nº 13.129/15, submetendo-se subsidiariamente às normas do Código de Processo Civil.

Por consequência, pode-se afirmar com tranquilidade que as duas jurisdições, a saber, estatal (Judiciário) e privada (Arbitragem), apesar de regidas por regras distintas (respectivamente, por normas processuais civis e lei extravagante), convivem em total harmonia, sem confusão, já tendo também sido constitucionalmente consolidadas.

De qualquer modo, deve ficar claro que os juízes e desembargadores não estão autorizados a revisar o mérito das decisões proferidas pelos árbitros, servindo o Judiciário apenas para promover a execução das sentenças arbitrais, ou examinar eventual nulidade observada nestas, mas jamais, repita-se, um ente estatal poderá examinar o mérito de um pronunciamento arbitral.

Isto posto, faz-se adiante a indagação que serve de inspiração ao título deste artigo jurídico, qual seja: E se mesmo existindo no contrato de franquia uma cláusula compromissória prevendo a Arbitragem, uma das partes contratantes optar pelo Judiciário?

O novo Código de Processo Civil ajuda, felizmente, com a resposta a esta pergunta, ao determinar, como novidade, em seu artigo 337, inciso X, que o Réu de uma ação judicial deve na contestação, e antes ainda de discutir o mérito (ou seja, preliminarmente), alegar a existência no contrato de franquia de uma cláusula compromissória prevendo a solução de conflitos via Arbitragem.

E tal legislação vai mais longe ao prescrever nos parágrafos quinto e sexto do mesmo artigo 337 que o juiz não pode conhecer de ofício, ou seja, espontaneamente, desta matéria.

De toda sorte que, mostra-se realmente necessária a manifestação do Réu, na primeira oportunidade que lhe couber falar no processo judicial, sobre a existência no contrato de franquia da referida cláusula compromissória para que daí sim o juiz possa se manifestar a esse respeito.

Com efeito, caso não o faça, o silêncio do Réu será considerado ao mesmo tempo como aceitação por parte dele da jurisdição estatal (Judiciário) e renúncia ao juízo privado (Arbitragem) estabelecido no contrato de franquia.

Em outras palavras, se o Réu não invocar na contestação, preliminarmente, a existência no contrato de franquia da aludida cláusula compromissória, haverá o que se chama de "preclusão" e o conflito existente será julgado pelo Judiciário, e não mais via Arbitragem.

Por outro lado, caso o Réu faça esse tipo de manifestação, o juiz poderá acolhê-la e conseqüentemente ordenar a extinção do processo judicial, sem resolver o mérito da questão, de acordo com o que apregoa o inciso VII, do art. 485 do novo Código de Processo Civil.

Logo, extinto o processo judicial sem julgamento de mérito, restará ao Autor que violou a cláusula compromissória existente no contrato ao optar inicialmente pelo Judiciário, se ainda quiser e o seu direito obviamente não estiver prescrito, tentar solucionar o conflito apenas no juízo arbitral, juízo este que tentou sem sucesso evitar anteriormente.

Isso porque, a cláusula compromissória estabelecida em contrato de franquia é, desde que respeitados os requisitos legais que a cercam, válida e cogente.

Assim, se uma das partes contratantes desobedecer essa disposição contratual, e propor uma ação perante o Poder Judiciário, caberá a outra parte alegar esse descumprimento contratual, demonstrando ao juiz, a existência dessa convenção, para que o processo judicial aberto possa, havendo acolhimento desta manifestação, ser extinto sem julgamento de mérito, arcando aquele que deu entrada na demanda judicial com todas as despesas processuais daí decorrentes.

Outra hipótese relacionada ao tema que também está prevista no mesmo inciso VII, do art. 485, e pode fazer com que o juiz decrete a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, é se o próprio árbitro já tiver reconhecido a sua competência para julgar o conflito existente entre franqueador e franqueado.

Por tudo isso, se existir cláusula compromissória no contrato de franquia pense bem antes de violá-la e optar por solucionar um conflito pelo Judiciário, e consulte se possível um advogado especializado de sua confiança, a fim de buscar a melhor orientação e estratégia possível.



Daniel Dezontini, advogado e sócio fundador do escritório Dezontini Sociedade de Advogados, pós-graduado na área de direito processual civil pela PUC/SP, especialista em direito contratual pelo Centro de Extensão Universitário (CEU) e ampla experiência na área de franchising locações e direito contratual. Contato: daniel@dezontiniadvogados.com.br;

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